segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ressurreição como obra do Pai

Inúmeras passagens na escritura nos apresentam o Pai como agente ativo da ressurreição de Jesus (At 3,15; 2,24; 5,30). A ação do Pai é na verdade em favor do seu mundo, como criador que consuma a sua obra criadora mediante a ressurreição dos mortos. O poder de Deus age em favor de Cristo em sua ressurreição. Nos textos de Ef 1,19; Cl, 2,12, o termo poder de Deus cede lugar ao termo doxa que significa Glória (Rm 6,4). Nesta ação gloriosa, Deus se revela como o Senhor que traz os mortos de volta à vida de tal forma que a expressão que ressuscitou Jesus dentre os mortos, (Rm 8,11; 2 Cor 4,14; Gl 1,1; Ef 1,20; Cl 2,12) torna-se uma espécie de título de Deus e neste ato, o Pai apresenta a última justificação de sua palavra e a verdade sobre o Filho obediente.

Desta forma, a pretensão de Jesus de identificar o seu eu com o eu de Iahweh é admitida pelo próprio Deus. Assim, Jesus de Nazaré, é apresentado ao mundo como testemunha do Pai. Sua palavra é confirmada pelo Pai e Cristo é reabilitado diante do mundo e entronizado como o Todo Poderoso, o Senhor, expressão do rosto de Deus até então nunca visto. (Jo 1,18).

Reessurreição e auto-testemunho do Filho

O Filho é apresentado ao mundo, por seu Pai como o VIVENTE. No ato desta apresentação, Ele possui a total liberdade inerente à sua condição. Assim, a liberdade expressa pelo Pai no que diz respeito ao ato de ressuscitar o Filho, tem sua correspondência na liberdade com a qual o Filho, reerguido dentre os mortos, mostra-se a si mesmo.


Aqui se dá o decisivo na Revelação do Mistério Trinitário na Pessoa do Filho, posto que sua liberdade apresenta a Pessoa do Pai, pois este tudo deu ao Filho ( Jo 5), e desta maneira é apresentada uma coincidência de liberdade entre o Pai e o Filho. Une-se aqui obediência e liberdade posto que em extrema obediência, o Filho se deixou ressuscitar pelo Pai e agora aceita que o Pai lhe dê a total liberdade de dispor da vida (Jo 5,26), e o entronize como o possuidor do NOME diante do qual todo joelho se dobre, nos céus, na terra e nos infernos. Este nome é expressão da divindade do Filho, superação da distinção entre a condição de Servo e a de Senhor.

Como conseqüência, fica claro que a renúncia à condição divina e a adoção da condição de servo, com tudo o que esta imagem comporta, não é uma diminuição daquilo que é a vida trinitária, mas manifestação de Deus que pode chegar a se encarnar, morrer e ressuscitar em sentido absoluto. Esta realidade acerca do Filho nos leva a entender a identificação presente no Evangelho de João entre a exaltação e a glorificação tanto quando se refere à cruz quanto à ressurreição. Essa unidade entre o Leão vencedor e o cordeiro imolado ( Ap 5,6s) garante a não contradição no fato de um morto e ressuscitado, o Filho, ter o poder de entregar a vida e também de reavê-la. (Jo 10, 18; 2,19) e mediante este poder (Jo 11,25) ressuscitar os mortos tanto nos contornos do tempo (Jo 12,1. 9.17), quanto no final dos tempos (Jo 11,25). Pois o que obedece até a morte de cruz é obediente ao mandato que recebeu por parte do Pai. Este poder se identifica com a missão conferida pelo Pai e aceita pelo Filho.

Ressurreição e revelação do Espírito Santo

Na tentativa de adentramos no sentido teológico da revelação do Espírito Santo na Ressurreição do Filho, primeiramente devemos ter em vista a idéia expressa por Lucas em seus escritos, onde somente quando Jesus retorna ao Pai é que recebe o Espírito para infundi-lo na Igreja (At 2,33. 1,4). E, em paralelo, a promessa apresentada em João no instante da despedida do Senhor (Jo 16,7; 14,16; 15,26).

Em ambas vertentes teológicas, é expressa que a condição indispensável para o envio do Espírito Santo é a reunião entre o Pai e o Filho. Desta maneira, a união entre o Pai e o Filho nos aparece como um único principio de espiração na linha da economia. Assim, receber o Espírito Santo é seguir o caminho de Jesus, pois o Pai e o Filho entregam o Espírito como dom ao mundo redimido e este expressa a unidade essencial da Trindade de forma quenótica no processo de economia da salvação.

Entretanto, é do pensamento de São Paulo que nos vem a visão da quenose do Espírito Santo mais profunda. Em sua teologia, o envio do Espírito e a Ressurreição de Jesus são apresentados como um movimento único. O fato de o Pai ter ressuscitado o Filho por seu Espírito (Rm 8,11) mostra que o Espírito Santo é ao mesmo tempo instrumento da Ressurreição e meio no qual o Cristo ressuscitado penetra em um meio natural a Ele (1Tm 3,16; Rm 1,4) com o corpo pneumático (1 Cor 15,44-45) identificado com a realidade do Espírito.

Esta identificação revela a natureza quenótica do Espírito Santo porque quem deseja viver segundo o Espírito deve seguir o Senhor segundo o Espírito (Gl 5,16.22s. 25). Nisto consiste a quenose do Espírito Santo: sendo Deus, faz-se presente em nosso limitado coração nos conduzindo nos caminhos do Crucificado- ressuscitado.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Homilia de Domingo de Ramos


Irmãos e  Irmãs, começo a homilia deste Domingo com uma citação de São Epifânio de Salamina. Ele nos convida a exultação:

“ ‘Exulta de alegria, filha de Sião!’ (Zc 9,9), alegra-te e exulta, Igreja de Deus, pois eis que o teu Rei vem a ti, eis o Esposo que chega, sentado num burro como num trono! Vamos depressa ao Seu encontro para contemplar a Sua glória. Eis a salvação do mundo: Deus avança para a cruz. Também nós, os povos, gritamos hoje com o povo: ‘Hosana ao Filho de Davi! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas (Mt 21,9; Sl 118,26)”

Durante cinco domingos da Quaresma escutamos sempre uma palavra insistente e esta dizia: Quaresma é período de mudança de vida, mudança da nossa forma de ver o mundo, de ver a nós mesmos, ao mundo onde habitamos e a Deus. Estamos nos preparando para entrar com Jesus em Jerusalém, local onde a vida de Cristo é oferecida por nossa salvação. Pois bem, hoje chegamos em procissão e as portas estavam fechadas, somente após a oração é que foram abertas. O Evangelho que motivou nossa caminhada falava sobre a solene entrada de Jesus em Jerusalém. Então uma pergunta pode ser feita: Como é possível entrar com Jesus em Jerusalém se não saímos de Tibiri II, Santa Rita? Eu respondo a vocês que entramos sim, com Jesus na cidade de Jerusalém! A cidade de Jerusalém não é um dado geográfico ou político. Jerusalém, o nome da cidade dá todo o teor de significado ao que celebramos: Jerusalém significa cidade da Paz. Jerusalém na Sagrada Escritura significa então o lugar onde Deus reina e deseja reinar sempre! Portanto, entrar em Jerusalém é adentrar o nosso próprio interior, nosso coração mesmo, o local onde nós não podemos nos esconder, o local onde tudo sobre nós está guardado! Para Jesus, entrar em Jerusalém é se fazer presente no coração da humanidade e Cristo deseja se fazer presente em nosso coração para nos purificar por dentro e assim, renovados em nosso interior teremos como modificar o mundo onde vivemos. Não há transformação do mundo se nosso coração não se abrir para o Cristo que vem. Esta abertura de nosso coração também foi simbolizada pelas portas fechadas da Igreja. Assim se encontram muitos corações e por maior que seja a vontade e o amor de Jesus, estes não se abrirão, infelizmente. Eis que estou à porta e bato, se alguém abrir eu entrarei e cearei com ele. Estas palavras de Jesus continuam sempre presentes no mundo e no mundo, escurecido pelo pecado, a resistência se torna cada vez mais clara e forte. As portas do coração devem se abrir para Jesus que vem reinar, mas não vem reinar como os poderosos deste mundo, Jesus vem reinar como manso e humilde irmão da humanidade, essa humildade do Senhor vem expressa no animal que o conduz para Jerusalém. Qual a solenidade que existe em se entrar montado em um jumento? A solenidade reside na mansidão, na entrega desinteressada de quem só deseja amar e servir. A Solene entrada de Jesus em Jerusalém é a humilde solenidade de quem desmancha as imagens que temos de Deus. Em nossa pobre imaginação, vemos Deus como Rei e de fato Deus é Rei, mas não como os reis que vemos neste mundo e sim um rei diferente que faz do serviço força, da humildade escudo e da cruz estandarte contra os poderes do mal. A entrada de Jesus em Jerusalém esconde já em si, a traição, a negação e o sofrimento. Lemos no Evangelho que a multidão se divide em duas partes: os que vão à frente de Jesus e os que o seguem. Estes dois grupos aclamam Jesus do mesmo jeito, mas não podemos nos deixar enganar porque ao vermos que pessoas entram em Jerusalém à frente de Jesus, devemos lembrar que o senhor em outro trecho nos ensina: Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo e siga-me! Nosso lugar é seguindo Jesus, não à sua frente, porque é ele quem sabe o caminho. É ele o próprio caminho, caminho que conduz até a Verdade e verdade esta capaz de dar a vida, assim ele nos falou: Eu sou o caminho, a verdade e a vida! Nosso caminho ao longo desta semana deve ser aberto por Jesus e nos seus passos, devemos reencontrar a fidelidade à nossa vocação batismal. Muitos aclamam Jesus como Senhor, pedem a ele socorro por meio do Hosana que é um pedido de socorro a Deus, mas embora o façam com os lábios, o coração está distante há muito tempo do Evangelho de Cristo! Peçamos a Cristo que nos socorra: Hosana no mais alto dos céus! Mas, peçamos de coração sincero! Peçamos a ele que realize em nossas vidas o que os ramos que trouxemos significam: Os ramos simbolizam a realeza de Jesus, simbolizam a paz que Deus quer nos ofertar pois já em Genesis se diz que o sinal da vida na terra  reestabelecida após o dilúvio é um ramo de oliveira trazido por uma pombinha que foi solta da arca e para ela voltou! Mas os ramos também simbolizam a unção, o óleo que ungia os reis, o Espírito Santo sobre Jesus e o óleo que nos ungiu no Batismo! Por isso, hoje, A Igreja celebra um dia de festa à sombra de Cristo, oliveira na casa de Deus (Sl 52,10); Ele caminhando à nossa frente, abriga nossas vidas em sua sombra! A Igreja celebra um dia de Festa com Cristo, lírio primaveril do Paraíso em flor. Porque Cristo está no meio da Igreja como verdadeiro lírio florido, raiz de Jessé que não julga o mundo mas o serve (Is 11,1.3). Ele está no meio da Igreja, fonte eterna donde jorram, não já os rios do paraíso (cf. Gn 2,10), mas Mateus, Marcos, Lucas e João, que regam os jardins da Igreja de Cristo. Hoje, nós, que somos novos e fecundos rebentos (cf Sl 128,3), levando nas mãos os ramos da oliveira, supliquemos a misericórdia de Cristo. “Plantados na casa do Senhor”, florescendo na Primavera nos “átrios do nosso Deus”, celebramos um dia de festa:  porque o inverno tenebroso de nossos pecados  já passou! (Sl 92,14; Ct 2,11)

Homilia do Domingo de Ramos - parte II


Nenhum batizado deveria se esconder da Semana Santa, semana que é Santa na medida em que permitimos a Jesus nos santificar com sua vida! Mas muitos batizados farão desta semana somente mais uma semana de monotonia, de bebedeira e de carnaval fora de época que só serve para alimentar a ganância, instigar os jovens à prostituição e beneficiar políticos que tem muitos interesses, menos o bem estar e a civilidade do povo! Vivemos o mesmo contexto em que Jesus viveu: opressão – agora cultural – pois somos todos obrigados a engolir o lixo de baixo nível produzido pela mídia. Essa opressão refere-se à falta de educação, e também falta de saúde, de moradia digna com redes de esgoto, falta de alimento, falta de futuro para os jovens, incentivo à violência já entre as crianças e desrespeito aos idosos. Vivemos um tempo de escárnio e zombaria com o sagrado, Deus é assunto que não chama a atenção, Jesus é até considerado interessante, entretanto, não se quer seguir uma pessoa que apresente a humildade como sinal de vitória, porque a propaganda e muitas vezes as religiões se tornaram comércio sagrado, no qual a imagem de pregadores chama mais a atenção do que a palavra de Jesus, no qual também o demônio muitas vezes é mais valorizado que o próprio Jesus porque os mercadores do Sagrado sabem que o medo mantêm igrejas lotadas com um povo alienado, escondido de seu futuro e sem coragem para enfrentar suas próprias criações monstruosas. Este é um tempo ainda no qual a própria missa corre o risco de se tornar espetáculo e o povo corre as léguas atrás de padres e não de Cristo! Caravanas e mais caravanas em busca de Missas intituladas de cura, o que na verdade, termina por colocar os nossos interesses acima da Eucaristia! Estes não estão seguindo Jesus, podem até estar à sua frente como nos alerta o Evangelho, todavia, os que se colocam à frente de Jesus e tentam dizer o que Jesus deve dizer são chamados por ele de Satanás! Vai para trás, Satanás, porque não pensas como Deus e sim como os homens.  São estes que pedem a crucificação de Jesus em um julgamento injusto, sem direito à defesa, sem testemunhas, simplesmente como manobra para apagar da história alguém que incomoda. O julgamento de Jesus é sinal da injustiça deste mundo, ao mesmo tempo em que é sinal de que Deus ama tanto o mundo que se submete a entregar seu filho nas mãos dos malfeitores para salvar os condenados que somos todos nós. Sem Jesus estaríamos todos condenados, a cruz sem Cristo é maldição, mas ele faz da maldição cura: Assim como Moisés ergueu a serpente de bronze no deserto, é necessário que o Filho do Homem seja erguido. Ele é julgado por nós, a maldição que deveria cair sobre nós, cai sobre ele. Justo e santo, não teme o escárnio por conta de seu amor, uma vez que quanto maior é o amor, maior será a ferida da compaixão. Jesus se compadece de nós e por nós se entrega. Da parte dos homens há um jogo mesquinho de poder, em tudo no julgamento de Jesus vemos transparecer a força perniciosa do pecado que tudo corrompe, que tudo deseja para si que a tudo torna sujo! Assim são as autoridades que julgam o Filho de Deus! A hipocrisia das autoridades religiosas, a fraqueza de um político. O Filho de Deus é julgado por malfeitores! E silencia pois o Pai é aquele que fará justiça! A sua causa se encontra nas mãos do Pai! Enfim, o próprio povo condena Jesus. Escolhe Barrabás, isso demonstra a incapacidade que as pessoas tem se de livrarem de seu falso senso de justiça, porque Jesus é o profeta da Paz, Barrabas é o criminoso! E em uma sociedade violenta e prostituída somos muitas e muitas vezes tentados a acreditar que justiça se faz com as próprias mãos, é aí que apoiamos atitudes de execução sumária de jovens, começamos a dar o direito a uma minoria para que derrame sangue já que a justiça não acontece. Jesus, o justo, que é vítima da violência e da injustiça deveria nos despertar outro sentimento: diante do desejo dos homens em tirar a vida uns dos outros, deve prevalecer o mandamento da lei de Deus que nos diz ‘não matar’ como já bem falava Dom Oscar Homero. O povo Prefere o criminoso, a ele aclamam e condenam Jesus à morte de Cruz. A cruz é um escândalo. Todavia é o único fato do qual um cristão deve se gloriar (Gl 6,14). Como assimilar e até se gloriar de um escândalo? Isto só é possível se olharmos para a cruz como um evento da Trindade. É o Pai quem toma a iniciativa (2Cor 5,18). Esta iniciativa da reconciliação é concretizada pelo Filho e a prova de sua efetividade é o Espírito Santo (Rm 8, 1.6; 9,10). Por este motivo é que no Gólgota se realiza o único sacrifício de eficácia absoluta (Hb 7-9). Todos os demais sacrifícios neste se cumprem e são superados. No acontecimento da cruz fica patente que Deus não tolera o pecado. Ele não pode amar o pecado e o mal se encontra em total contradição com a natureza divina; Por isso, Deus não pode perdoar o pecado sem expiação. A pura anistia é ignorância do mal, a qual diminui a gravidade do pecado ou mesmo lhe reconhece o direito de existência. É essa ira divina encontrada em todo o Antigo Testamento que Jesus deve levar à plenitude em sua Paixão. Eis a outra face da moeda do amor, pois amar o bem não seria possível sem a luta contra o mal e a injustiça.                

Homilia de Domingo de Ramos - Parte Final


A cruz do Filho é revelação do amor do Pai (Rm 8,32; Jo 3,16) e a efusão do sangue deste amor se realiza interiormente, mediante a efusão de seu comum espírito no coração dos homens (Rm 5,5).  Para que isto aconteça, é necessário que diante de Jesus pregado na cruz, haja uma crescente de abandono: os discípulos o abandonaram, o povo que entra com ele em Jerusalém, escolhe outro e o condena, os religiosos do seu tempo, tramam contra ele, o representante do império se omite. Jesus é nesse momento um abandonado, o povo que passa vira a cabeça e zomba dele! Ironiza sua situação. Tantos de nós estão abandonados hoje, irmãos e irmãs, tanto sofrimento se faz presente no mundo. E a cruz de Jesus deve nos mostrar que Deus nos amou tanto que nos deu seu ÚNICO Filho. Quem dentre os presentes é pai e mãe, conhece seu amor por seus filhos, imagine, tente imaginar a imensidão de um amor que faz com que um pai entregue seu Filho único para resgatar os criminosos. Essa presença do crucificado deve apagar nossa solidão porque Jesus em seu amor, sente-se abandonado até pelo Pai a quem ele tanto ama! Este abandono sentido pelo Filho é o que há de mais profundo porque assim, conhecendo a dor de ser abandonado, Jesus se compadece com os abandonados de todos os tempos. No abandono de Deus que o crucificado conheceu, reconhecemos que fomos libertados do abandono Deus; situação que não poderíamos evitar por nenhum esforço próprio separado da Graça. Mas esta visão da cruz nos impede de passar por cima dela e a pavorosa realidade do sentir-se abandonado por Deus nos revela com toda claridade que o inferno não é uma ameaça educativa ou uma mera ‘possibilidade’, mas sim que é a realidade que conhece de modo eminente o abandonado por Deus, pois ninguém pôde experimentar, nem sequer aproximadamente, um abandono tão terrível como o do Filho, eternamente unido, de modo essencial, com o Pai Eterno. De forma pormenorizada se encontra nos Evangelhos o relato do que aconteceu na cruz. Assim sendo, o grito de abandono na cruz apresenta o abandono do Filho por parte do Pai; abandono este que, sendo aquele que o sofre como homem o próprio Deus, é um abandono absoluto e, por conseguinte, medida absoluta do abismo. Este grito de Jesus é uma seta ao que há de mais singular na Paixão de Jesus: a revelação do Esvaziamento divino. A morte de Jesus na cruz é acompanhada de uma série de acontecimentos. Estes fatos podem ser analisados a partir de dois pontos. O primeiro diz respeito ao mundo e o segundo a pessoa de Jesus. Todo o mundo foi sacudido em seus fundamentos pelo que aconteceu na cruz. Os três primeiros evangelhos falam da imagem do obscurecimento da terra que longe de representar a tristeza da terra com o acontecido, explicita o luto do Pai pelo Filho único como se encontra em Zc 12,10. É a tristeza do próprio Pai. Somente Marcos e Mateus falam de rasgões ocorrido no Templo: no relato de Mateus há uma seqüência muito harmônica nos acontecimentos: após a morte de Jesus ocorre um terremoto e este acarreta o despedaçamento das rochas e este a abertura dos sepulcros e, conseqüentemente, o escancaramento do mundo dos mortos que, em presença desta morte na cruz, deve entregar seus prisioneiros, por isso escutamos dizer que os santos foram vistos após a ressurreição de Jesus. Estes sinais demonstram que “verificam-se na natureza os sinais do juízo, mas também os sinais da destruição das portas do inferno, pois abertas as portas da morte por Cristo que morre, poderá penetrar e descer a luz da Redenção.” Relativo à pessoa de Jesus dizem respeito com mais exatidão ao seu esvaziamento, porque aquele que é de tudo o Senhor, morre como todo homem morre, é sepultado como todo ser humano o é! Clamo com São Paulo, com voz santa e forte: O que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas (2Cor 5,17). Um profeta, olhando para este rei, grita: Eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo (Jo 1,29) [...]; e Davi já nos antecipava, O Senhor é Deus; Ele tem-nos iluminado! (Sl 118,27). Dia de festa admirável, pela sua novidade, surpreendente e estupenda: os que o seguem o aclamam  como Deus e os sacerdotes maldizem-n'O, quem o segue o adora e os doutores da lei desprezam-n'O e caluniam-n'O. Quem o segue diz “Hosana!” e os Seus inimigos gritam: “Crucifica-O!” Quem entra com ele em Jerusalém está atrás dele, quem vai à frente de Cristo atiram-se a Ele com espadas; quem está com ele, o segue com Ramos, quem não o segue lhe preparam uma cruz.
Mergulhados que fomos no Mistério do Cristo que entrega sua vida no altar da cruz, preparemos o nosso coração que hoje foi aberto, para que ele reine em nossa vida e nos conduza a uma vida de ressuscitados em seu amor e em sua paz!