A cruz do Filho
é revelação do amor do Pai (Rm 8,32; Jo 3,16) e a efusão do sangue deste amor
se realiza interiormente, mediante a efusão de seu comum espírito no coração
dos homens (Rm 5,5). Para que isto aconteça, é necessário que diante
de Jesus pregado na cruz, haja uma crescente de abandono: os discípulos o
abandonaram, o povo que entra com ele em Jerusalém, escolhe outro e o condena,
os religiosos do seu tempo, tramam contra ele, o representante do império se
omite. Jesus é nesse momento um abandonado, o povo que passa vira a cabeça e
zomba dele! Ironiza sua situação. Tantos de nós estão abandonados hoje, irmãos
e irmãs, tanto sofrimento se faz presente no mundo. E a cruz de Jesus deve nos
mostrar que Deus nos amou tanto que nos deu seu ÚNICO Filho. Quem dentre os
presentes é pai e mãe, conhece seu amor por seus filhos, imagine, tente
imaginar a imensidão de um amor que faz com que um pai entregue seu Filho único
para resgatar os criminosos. Essa presença do crucificado deve apagar nossa
solidão porque Jesus em seu amor, sente-se abandonado até pelo Pai a quem ele
tanto ama! Este abandono sentido pelo Filho é o que há de mais profundo porque
assim, conhecendo a dor de ser abandonado, Jesus se compadece com os
abandonados de todos os tempos. No
abandono de Deus que o crucificado conheceu, reconhecemos que fomos libertados
do abandono Deus; situação que não poderíamos evitar por nenhum esforço próprio
separado da Graça. Mas esta visão da cruz nos impede de passar por
cima dela e a pavorosa realidade do sentir-se
abandonado por Deus nos revela com toda claridade que o inferno não é uma
ameaça educativa ou uma mera ‘possibilidade’, mas sim que é a realidade que
conhece de modo eminente o abandonado por Deus, pois ninguém pôde experimentar,
nem sequer aproximadamente, um abandono tão terrível como o do Filho,
eternamente unido, de modo essencial, com o Pai Eterno. De forma
pormenorizada se encontra nos Evangelhos o relato do que aconteceu na cruz.
Assim sendo, o grito de abandono na cruz apresenta o abandono do Filho por parte do Pai; abandono este que, sendo aquele
que o sofre como homem o próprio Deus, é um abandono absoluto e, por
conseguinte, medida absoluta do abismo. Este grito de Jesus é uma seta ao
que há de mais singular na Paixão de Jesus: a revelação do Esvaziamento divino. A
morte de Jesus na cruz é acompanhada de uma série de acontecimentos. Estes
fatos podem ser analisados a partir de dois pontos. O primeiro diz respeito ao
mundo e o segundo a pessoa de Jesus. Todo o mundo foi sacudido em seus
fundamentos pelo que aconteceu na cruz. Os três primeiros evangelhos falam da
imagem do obscurecimento da terra que longe de representar a tristeza da terra
com o acontecido, explicita o luto do Pai pelo Filho único como se encontra em
Zc 12,10. É a tristeza do próprio Pai. Somente
Marcos e Mateus falam de rasgões
ocorrido no Templo: no relato de Mateus há uma seqüência muito harmônica nos
acontecimentos: após a morte de Jesus ocorre um terremoto e este acarreta o
despedaçamento das rochas e este a abertura dos sepulcros e, conseqüentemente,
o escancaramento do mundo dos mortos que, em presença desta morte na cruz, deve
entregar seus prisioneiros, por isso escutamos dizer que os santos foram vistos
após a ressurreição de Jesus. Estes sinais demonstram que “verificam-se na natureza os sinais do juízo, mas também os sinais da
destruição das portas do inferno, pois abertas as portas da morte por Cristo
que morre, poderá penetrar e descer a luz da Redenção.” Relativo à pessoa
de Jesus dizem respeito com mais exatidão ao seu esvaziamento, porque aquele
que é de tudo o Senhor, morre como todo homem morre, é sepultado como todo ser
humano o é! Clamo
com São Paulo, com voz santa e forte: O
que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas (2Cor 5,17). Um
profeta, olhando para este rei, grita: Eis
o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo (Jo 1,29) [...]; e Davi já
nos antecipava, O Senhor é Deus; Ele
tem-nos iluminado! (Sl 118,27). Dia de festa admirável, pela sua novidade,
surpreendente e estupenda: os que o seguem o aclamam como Deus e os sacerdotes maldizem-n'O, quem
o segue o adora e os doutores da lei desprezam-n'O e caluniam-n'O. Quem o segue
diz “Hosana!” e os Seus inimigos gritam: “Crucifica-O!” Quem entra com ele em
Jerusalém está atrás dele, quem vai à frente de Cristo atiram-se a Ele com
espadas; quem está com ele, o segue com Ramos, quem não o segue lhe preparam
uma cruz.
Mergulhados que
fomos no Mistério do Cristo que entrega sua vida no altar da cruz, preparemos o
nosso coração que hoje foi aberto, para que ele reine em nossa vida e nos
conduza a uma vida de ressuscitados em seu amor e em sua paz!
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