Como se pode notar, o conhecimento dos
conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio assentimento, isto é, para
aderir plenamente com a inteligência e a vontade a quanto é proposto pela
Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do mistério salvífico
revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica que, quando se
acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque o garante da sua
verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu mistério de
amor.[18] Por outro lado, não podemos esquecer que, no
nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia
vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo.
Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela
estrada que conduz ao mistério de Deus. De fato, a própria razão do homem traz
inscrita em si mesma a exigência «daquilo que vale e permanece sempre».[19] Esta
exigência constitui um convite permanente, inscrito indelevelmente no coração
humano, para caminhar ao encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele
mesmo não tivesse já vindo ao nosso encontro.[20] É precisamente a este encontro
que nos convida e abre plenamente a fé.
11. Para chegar a um conhecimento sistemático
da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no Catecismo
da Igreja Católica. Este constitui um dos frutos mais importantes do
Concílio Vaticano II. Na Constituição apostólica Fidei
depositum – não sem razão assinada na passagem do trigésimo aniversário da
abertura do Concílio Vaticano II – o Beato João Paulo II escrevia: «Este
catecismo dará um contributo muito importante à obra de renovação de toda a vida
eclesial (...). Declaro-o norma segura para o ensino da fé e, por isso,
instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial».[21] É precisamente nesta linha que o Ano da Fé
deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos
conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a
sua síntese sistemática e orgânica. Nele, de facto,
sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante
os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da
Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o
Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja
meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua
vida de fé.
Na sua própria estrutura, o Catecismo da Igreja
Católica apresenta o desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas da vida diária. Repassando as
páginas, descobre-se que o que ali se apresenta não é uma teoria, mas o encontro com uma Pessoa que vive
na Igreja. Na verdade, a seguir à profissão de fé, vem a explicação da vida
sacramental, na qual Cristo está presente e operante, continuando a construir a
sua Igreja. Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz,
porque faltaria a graça que sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha,
a doutrina do Catecismo sobre a vida moral adquire todo o seu significado, se
for colocada em relação com a fé, a liturgia e a oração.
12. Assim, no Ano em questão, o Catecismo da
Igreja Católica poderá ser um verdadeiro instrumento de apoio da fé, sobretudo
para quantos têm a peito a formação dos cristãos, tão determinante no nosso
contexto cultural. Com tal finalidade, convidei a Congregação para a Doutrina da
Fé a redigir, de comum acordo com os competentes Organismos da Santa Sé, uma
Nota, através da qual se ofereçam à Igreja e aos crentes algumas indicações para
viver, nos moldes mais eficazes e apropriados, este Ano da Fé ao serviço do crer
e do evangelizar.
De fato, em nossos dias mais do que no passado,
a fé vê-se sujeita a uma série de interrogativos, que provêm duma diversa
mentalidade que, hoje de uma forma particular, reduz o âmbito das certezas
racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas.
Mas, a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência
autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade.[22]
13. Será decisivo repassar, durante este Ano, a
história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a
primeira põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento
e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma
sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de
todos.
Ao longo deste tempo, manteremos o olhar fixo
sobre Jesus Cristo, «autor e consumador da fé» (Hb 12, 2): n’Ele encontra plena realização toda a ânsia e
anélito do coração humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do
perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte, tudo isto encontra plena
realização no mistério da sua Encarnação, do seu fazer-Se homem, do partilhar connosco a fragilidade humana para
a transformar com a força da sua ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado para
a nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois
mil anos da nossa história de salvação.
Pela fé, Maria acolheu a palavra do Anjo e
acreditou no anúncio de que seria Mãe de Deus na obediência da sua dedicação
(cf. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo
pelas maravilhas que realizava em quantos a Ele se confiavam (cf. Lc 1, 46-55).
Com alegria e trepidação, deu à luz o seu Filho unigénito, mantendo intacta a
sua virgindade (cf. Lc 2, 6-7). Confiando em José, seu Esposo, levou Jesus para
o Egipto a fim de O salvar da perseguição de Herodes (cf. Mt 2, 13-15). Com a
mesma fé, seguiu o Senhor na sua pregação e permaneceu a seu lado mesmo no
Gólgota (cf. Jo 19, 25-27). Com fé, Maria saboreou os frutos da ressurreição de
Jesus e, conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51),
transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito
Santo (cf. At 1, 14; 2, 1-4). Pela fé, os Apóstolos deixaram tudo para seguir o
Mestre (cf. Mc 10, 28). Acreditaram nas palavras com que Ele anunciava o Reino
de Deus presente e realizado na sua Pessoa (cf. Lc 11, 20). Viveram em comunhão
de vida com Jesus, que os instruía com a sua doutrina, deixando-lhes uma nova
regra de vida pela qual haveriam de ser reconhecidos como seus discípulos depois
da morte d’Ele (cf. Jo 13, 34-35). Pela fé, foram pelo mundo inteiro, obedecendo
ao mandato de levar o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc 16, 15) e, sem temor
algum, anunciaram a todos a alegria da ressurreição, de que foram fiéis
testemunhas.
Pela fé, os discípulos formaram a primeira
comunidade reunida à volta do ensino dos Apóstolos, na oração, na celebração da Eucaristia, pondo em comum
aquilo que possuíam para acudir às necessidades dos irmãos (cf. At 2, 42-47). Pela fé, os mártires deram a sua vida para
testemunhar a verdade do Evangelho que os transformara, tornando-os capazes de
chegar até ao dom maior do amor com o perdão dos seus próprios
perseguidores.
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